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Mar Adentro
Análise Psicanalítica e Saúde Mental em Mar Adentro
O filme levanta questões profundas sobre o desejo, o sofrimento psíquico e o direito à autonomia. A história de Ramón não é apenas sobre eutanásia, mas também sobre a luta entre a pulsão de vida (Eros) e a pulsão de morte (Thanatos), conceitos fundamentais na teoria freudiana.
1. A Pulsão de Morte e o Desejo de Ramón
Freud descreveu a pulsão de morte (Thanatos) como um impulso fundamental do ser humano, muitas vezes manifestado no desejo de retorno ao estado inorgânico. No caso de Ramón, sua vontade de morrer não vem de um impulso suicida impulsivo, mas sim de uma convicção racional construída ao longo dos anos. Ele não vê sua existência como digna e acredita que viver nessas condições é uma forma de aprisionamento.
No entanto, a psicanálise também nos ensina que o desejo humano nunca é completamente transparente. O que Ramón deseja não é apenas a morte, mas o direito de decidir sobre seu próprio corpo e destino. Seu discurso revela que sua luta não é contra a vida, mas contra a impotência e a falta de controle sobre sua própria existência.
2. A Relação Entre Dependência e Autonomia
A tetraplegia de Ramón faz com que ele dependa dos outros para tudo, o que gera um intenso conflito interno. Lacan fala da importância do desejo do Outro – isto é, nossa identidade e vontade são influenciadas pelo desejo daqueles ao nosso redor. Ramón está cercado por pessoas que querem que ele viva, mas seu desejo vai na direção oposta.
Essa tensão se manifesta especialmente na relação entre Ramón e Julia (Belén Rueda), uma advogada que também sofre de uma doença degenerativa. Eles se identificam um com o outro porque ambos veem a morte como uma libertação, mas enquanto Ramón está decidido, Julia hesita, demonstrando que a proximidade com a morte é sempre acompanhada por um conflito interno.
3. O Amor e os Laços Afetivos
Se, por um lado, Ramón quer morrer, por outro, ele está cercado de pessoas que o amam. Rosa (Lola Dueñas), uma mulher simples e trabalhadora, tenta convencê-lo de que a vida ainda vale a pena. A presença dela simboliza a pulsão de vida (Eros), tentando puxá-lo de volta para o desejo de viver.
Essa dicotomia entre Rosa e Julia simboliza o embate entre os dois impulsos psíquicos fundamentais: o desejo de continuidade (Eros) e o desejo de encerramento (Thanatos). Ramón está no meio desse conflito, e sua escolha final é a de alguém que já tomou sua decisão há muito tempo.
4. O Direito de Escolher e a Subjetividade do Sofrimento
Uma das questões mais delicadas do filme é se Ramón tem o direito de decidir sobre sua própria morte. A psicanálise nos ensina que o sofrimento não pode ser medido de fora – o que é suportável para um indivíduo pode ser insuportável para outro. Sua luta judicial não é apenas pelo fim da vida, mas pelo reconhecimento de sua subjetividade, seu direito de ser ouvido e de ter sua dor levada a sério.
Conclusão
Mar Adentro é um filme profundamente humano e filosófico, que nos faz questionar o significado da liberdade e do sofrimento. Ramón não é um suicida em desespero, mas um homem que luta pelo direito de decidir quando e como sua história termina. Do ponto de vista psicanalítico, sua jornada é uma tentativa de recuperar o controle sobre seu destino, em um mundo onde seu corpo já não lhe pertence.
O filme nos deixa com uma questão difícil: até que ponto temos o direito de dizer a alguém que sua dor não é válida? E, acima de tudo, qual é o verdadeiro sentido da vida quando a autonomia se torna impossível?