Kevin Wendell Crumb é um personagem construído em torno de um dos transtornos mais controversos da psicologia: o Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI). Na psicanálise, esse fenômeno pode ser entendido como uma defesa extrema do psiquismo contra traumas insuportáveis. Freud já discutia a dissociação da consciência como um mecanismo de defesa ligado a eventos traumáticos, e Melanie Klein e Winnicott expandiram essa ideia, explorando como o ego pode fragmentar-se para proteger-se do sofrimento.
A origem do TDI de Kevin está ligada a sua infância abusiva, especialmente aos maus-tratos que sofreu de sua mãe. Segundo a teoria psicanalítica, quando uma criança vivencia traumas severos, pode ocorrer um mecanismo de dissociação como forma de autopreservação. Assim, diferentes identidades emergem para lidar com a dor que o eu central não consegue suportar. Cada uma das personalidades de Kevin representa uma tentativa de organizar esse trauma, criando “egos auxiliares” que protegem a mente do colapso.
A ascensão de A Fera, sua personalidade mais extrema, pode ser interpretada como a representação do retorno do recalcado: um trauma tão intenso que não pôde ser assimilado pela psique e, por isso, retorna em forma de uma identidade sobre-humana e violenta. A Fera encarna o desejo reprimido de poder e vingança contra aqueles que nunca sofreram (os “impuros”, como ele diz). Para Lacan, isso poderia ser visto como um rompimento com o Real, o momento em que a estrutura simbólica de Kevin se desfaz e ele se torna aquilo que sua psique traumatizada acredita ser necessário para sobreviver.
O filme, apesar de dramatizar e exagerar certos aspectos do TDI (o que gerou críticas da comunidade psicológica), acerta ao retratar o transtorno como um mecanismo de defesa. Ele nos leva a questionar até que ponto a mente pode se dividir para evitar o sofrimento e como os traumas moldam nossa identidade. Além disso, Fragmentado sugere uma metáfora para a força do trauma e a forma como ele pode redefinir uma pessoa, tornando-a algo totalmente diferente – às vezes, monstruoso.
No fim, Kevin não é apenas um vilão. Ele é um homem quebrado, cuja mente criou um labirinto de personalidades para evitar o insuportável. E, como o próprio filme sugere, ele é uma lembrança brutal de que o passado nunca desaparece – ele apenas encontra novas formas de existir.