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Coringa

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2019122 min

Análise Psicanalítica e Saúde Mental em Coringa

O filme é um mergulho na psique de um sujeito que vive na margem da sociedade, explorando temas como a alienação, a humilhação, a construção da identidade e a relação entre trauma e violência. Coringa pode ser analisado sob diversas lentes psicanalíticas, especialmente as de Freud e Lacan, além de reflexões sobre transtornos mentais e a influência do meio no desenvolvimento psíquico.

Arthur Fleck e o Trauma da Infância

Arthur sofre de um profundo transtorno psíquico, possivelmente um quadro de transtorno esquizoafetivo ou transtorno de personalidade limítrofe, agravado por anos de negligência e abuso. Sua risada incontrolável pode ser entendida como um sintoma psicossomático, uma expressão corporal de uma dor emocional reprimida.

A relação com sua mãe, Penny Fleck, é um ponto central em sua formação. Freud destacou que a infância é decisiva para a construção da identidade, e Arthur cresceu em um ambiente de abuso e negligência, onde foi condicionado a acreditar que deveria “levar um sorriso ao rosto” das pessoas, mesmo em meio ao sofrimento. Isso reflete um mecanismo de defesa psíquico conhecido como formação reativa – ele tenta compensar sua dor interna projetando uma máscara de felicidade.

No entanto, ao descobrir que sua mãe mentiu sobre sua origem e que ele foi adotado e abusado, Arthur perde a última âncora de sua identidade. Essa revelação pode ser interpretada como o rompimento simbólico com a função materna, algo que Lacan descreve como fundamental para a organização psíquica do sujeito. Ao perceber que sua história foi construída sobre mentiras, ele entra em colapso.

A Sociedade como Grande Outro Repressor

Arthur vive em um mundo que não oferece espaço para sujeitos como ele. Gotham é um ambiente opressor, onde os marginalizados são invisíveis. Na teoria lacaniana, a sociedade pode ser entendida como o Grande Outro, a instância que regula normas e expectativas sociais.

Ao longo do filme, Arthur tenta se encaixar, mas falha repetidamente:

  • Busca reconhecimento na figura do apresentador de TV Murray Franklin (Robert De Niro), que acaba zombando dele.
  • Tenta estabelecer uma relação amorosa com sua vizinha, que se revela uma ilusão de sua mente.
  • Procura ajuda psiquiátrica, mas tem seu atendimento cortado por falta de recursos.

Cada rejeição reforça a desconstrução de sua identidade, levando-o a romper completamente com o mundo simbólico e abraçar uma nova persona: o Coringa.

A Ascensão do Coringa e o Gozo da Violência

Quando Arthur comete seu primeiro assassinato – matando os três homens no metrô –, ele experimenta uma forma de gozo (no sentido lacaniano do termo). Pela primeira vez, ele sente que tem controle sobre sua vida e que pode reverter sua posição de vítima. Esse gozo perverso é a liberação da raiva reprimida e do ressentimento acumulado ao longo dos anos.

O ato final, onde ele mata Murray Franklin ao vivo na TV, é o momento em que Arthur se livra completamente de sua antiga identidade e assume sua nova forma. Ele deixa de buscar aceitação e passa a abraçar o caos. Isso reflete um processo de desidentificação radical, onde o sujeito rompe com todas as estruturas simbólicas anteriores e se reconstrói a partir do vazio.

O Final e a Ambiguidade da Realidade

O filme termina com Arthur internado em Arkham, rindo sozinho. Isso levanta a questão: toda a história que vimos foi real ou uma construção da mente dele? A psicanálise sugere que a memória e a identidade são construções subjetivas, e o Coringa pode ser o resultado de uma narrativa que Arthur criou para dar sentido ao seu sofrimento.


Conclusão

Coringa é um filme que dialoga com a psicanálise de forma intensa, mostrando como um sujeito pode ser levado ao colapso psíquico quando a sociedade nega seu espaço de existência. O filme não justifica suas ações, mas nos faz refletir sobre os efeitos do trauma, da rejeição e da falta de assistência em saúde mental.

Ao final, Arthur Fleck deixa de existir – resta apenas o Coringa, a personificação de um sintoma que Gotham tentou reprimir, mas que retorna de forma destrutiva.

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