Análise Psicanalítica e da Saúde Mental
Ensaio Sobre a Cegueira é uma metáfora poderosa sobre a fragilidade da civilização, a perda da identidade e a natureza humana quando exposta ao desespero absoluto. A cegueira branca, enquanto fenômeno inexplicável, pode ser interpretada como um colapso do superego freudiano – ou seja, a dissolução das normas e valores que regulam a vida em sociedade.
A Cegueira como Metáfora da Alienação e do Recalcamento
A súbita incapacidade de enxergar reflete um estado psíquico de alienação, no qual os personagens são privados da capacidade de reconhecer a si mesmos e aos outros. Isso remete ao conceito de forclusão lacaniana, onde algo tão insuportável para o sujeito é expulso da consciência, retornando na forma do real inominável – neste caso, o caos absoluto e a barbárie.
A falta de visão também pode simbolizar o recalque social: a cegueira de uma sociedade que ignora a miséria, a violência e a degradação moral até ser forçada a confrontá-las de maneira brutal.
Regressão ao Estado Primordial e Pulsões Freudianas
O filme mostra que, diante do colapso da civilização, os indivíduos rapidamente retornam a um estado primal. O ego e o superego cedem espaço para a dominação da pulsão de vida (Eros) e da pulsão de morte (Todestrieb). O desejo de sobrevivência se mistura com o desejo de destruição, resultando em relações baseadas na violência, na exploração e no abuso.
A sociedade colapsa e, sem estruturas simbólicas que regulam o comportamento humano, emerge um estado de natureza brutal. O hospital onde os cegos são confinados torna-se um microcosmo dessa nova ordem social: alguns assumem papéis de opressores, outros de submissos, e as mulheres, em especial, são reduzidas a objetos de dominação.
A Mulher que Vê: Símbolo da Testemunha e do Trauma
A personagem de Julianne Moore, a única capaz de enxergar, representa a testemunha que carrega o peso do trauma coletivo. No discurso psicanalítico, aquele que vê pode ser tanto um salvador quanto um condenado à culpa por sua posição diferenciada. Ela carrega a responsabilidade de guiar os cegos, mas também é a única que assiste impotente à degradação humana.
Seu olhar é aquele do Grande Outro lacaniano – o que vê tudo, mas não pode intervir completamente para salvar. Ela representa o dilema do observador consciente diante do horror: agir ou simplesmente testemunhar?
Conclusão
Ensaio Sobre a Cegueira é um filme sobre a fragilidade da civilização e sobre como, sem os artifícios que sustentam nossa moralidade, retornamos rapidamente a um estado de caos. Sob a ótica psicanalítica, o filme expõe o desmoronamento do superego coletivo e a emergência do desejo cru, da violência e do medo.
No entanto, ele também sugere que a capacidade de enxergar – literal e metaforicamente – pode ser tanto uma maldição quanto uma esperança. Se a cegueira representa a alienação da humanidade, talvez ver signifique, antes de tudo, despertar para a verdade sobre quem realmente somos.