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Coração Valente
Análise Psicanalítica e Reflexões sobre Saúde Mental
Coração Valente não é apenas uma história de guerra e heroísmo, mas um mergulho nas profundezas do desejo humano, do trauma e da sublimação. A trajetória de William Wallace pode ser compreendida como a de um sujeito que transforma sua dor em uma busca por um ideal, revelando aspectos do inconsciente que envolvem o desejo, a identidade e o trauma.
O Trauma como Motor da Revolta
O assassinato de Murron não apenas desperta em Wallace o desejo de vingança, mas simboliza a ruptura de um mundo infantil idealizado. A Escócia, sob o domínio da Inglaterra, pode ser vista como um reflexo do sujeito submetido à Lei do Pai – o rei Eduardo I representa a autoridade opressora que impõe castração simbólica, ou seja, a perda da autonomia e do desejo. A morte de Murron desencadeia uma compulsão à ação: Wallace não apenas quer vingar sua dor, mas erradicar a estrutura de poder que a causou. Esse movimento é típico de um sujeito marcado pelo trauma, que encontra no ato (a guerra) uma forma de dar sentido à sua dor.
A Sublimação do Desejo
Ao invés de se fixar no luto, Wallace canaliza sua dor para um objetivo maior: a liberdade da Escócia. Segundo Freud, a sublimação ocorre quando impulsos inconscientes – frequentemente agressivos ou sexuais – são redirecionados para atividades socialmente aceitas. No caso de Wallace, sua energia libidinal e sua fúria não são descarregadas apenas no desejo de vingança pessoal, mas transformadas em um movimento político e simbólico. Ele se torna um líder carismático, quase messiânico, cuja dor pessoal é absorvida por um desejo coletivo.
O Conflito entre Desejo e Realidade
A psicanálise lacaniana nos ensina que o desejo nunca se realiza plenamente, pois é sempre mediado pela falta. Wallace busca a liberdade, mas essa liberdade é inatingível no sentido absoluto. Seu desejo é impulsionado por uma utopia – uma Escócia independente –, mas seu destino trágico evidencia a estrutura do desejo humano: aquilo que buscamos está sempre além do nosso alcance. Ainda assim, ele persiste, pois, como Lacan afirma, “o desejo é o desejo do Outro” – o desejo de Wallace não é apenas pessoal, mas um reflexo do anseio coletivo de seu povo.
O Martírio e a Morte como Culminação do Desejo
O final do filme, com Wallace sendo torturado e executado, remete à ideia do gozo (jouissance) lacaniano, em que o sofrimento extremo se confunde com a realização máxima do desejo. Ele grita “Liberdade!” no momento da morte, indicando que, no nível simbólico, ele alcança o que buscava. No entanto, sua morte também reforça a estrutura trágica do desejo humano: é apenas na falta absoluta (a morte) que o desejo se completa, ainda que de forma ilusória.
Conclusão
Coração Valente pode ser visto como uma grande tragédia psicanalítica, onde o trauma se converte em um desejo inatingível que impulsiona um homem a se tornar um mito. Wallace não luta apenas contra os ingleses, mas contra a própria estrutura do desejo humano, onde a busca por um ideal muitas vezes se confunde com a impossibilidade de realizá-lo. Seu sacrifício final nos lembra que a liberdade, assim como o desejo, é sempre um horizonte distante – algo que nos move, mas nunca se concretiza plenamente.