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Bicho de Sete Cabeças

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Análise Psicanalítica e da Saúde Mental

“Bicho de Sete Cabeças” expõe um dos temas mais delicados da psicanálise e da psiquiatria: a patologização da subjetividade e a repressão da diferença. A internação de Neto não acontece porque ele tem um transtorno mental grave, mas sim porque o pai não sabe lidar com seu comportamento e busca no hospital psiquiátrico um meio de controle social.

A partir da psicanálise, podemos analisar o filme em três eixos principais:

🔹 1. A Psiquiatria Como Instrumento de Repressão

Desde Foucault até Freud, há uma longa discussão sobre como a psiquiatria, em muitos momentos da história, foi utilizada não para curar, mas para controlar e silenciar aqueles que fogem da norma. Neto é um jovem comum, rebelde como qualquer adolescente, mas sua internação mostra como a sociedade muitas vezes trata o diferente como uma ameaça.

No hospital, ele é privado de sua identidade e reduzido a um número, um “paciente”. Sua subjetividade é anulada por meio de tratamentos violentos e desumanos, como eletrochoques e sedação forçada – práticas comuns antes da reforma psiquiátrica no Brasil.

A internação compulsória, nesse contexto, não é um tratamento, mas um mecanismo de punição e exclusão, onde os “indesejáveis” são descartados da sociedade.

🔹 2. A Relação Entre Pai e Filho: A Falta de Escuta e a Castração Simbólica

O pai de Neto, ao enviá-lo para o manicômio, representa a figura da autoridade repressora. Sua decisão não vem de uma preocupação real com a saúde do filho, mas sim de um medo irracional do que Neto poderia se tornar.

A psicanálise lacaniana nos ensina que a função paterna deve ser a de mediar a passagem do filho da infância para a vida adulta, permitindo que ele construa sua própria identidade. No entanto, em vez de guiar Neto, o pai o entrega à violência institucional, rompendo qualquer possibilidade de diálogo.

Essa atitude pode ser interpretada como um ato de castração simbólica extrema, onde o pai não apenas impõe limites, mas aniquila a subjetividade do filho, forçando-o a ser moldado por uma instituição opressora.

🔹 3. A Loucura Como Construção Social

Neto entra no hospital como uma pessoa saudável e sai devastado, demonstrando como a “loucura” pode ser produzida pela própria instituição. Michel Foucault argumenta que a loucura não é apenas uma condição biológica, mas um rótulo social atribuído a aqueles que não se encaixam.

No hospital, Neto presencia pessoas sendo violentadas, tratadas como objetos e privadas de qualquer dignidade. Aqueles que entram com alguma fragilidade mental saem completamente destruídos, não por causa da doença, mas por causa do próprio tratamento desumano.

Essa ideia se conecta com os conceitos freudianos de trauma e recalque: quando um sujeito é submetido a experiências extremas de violência, seu ego se desorganiza, levando a estados de dissociação, depressão profunda e até crises psicóticas induzidas pelo ambiente.


Conclusão: Um Sistema Que Produz a Loucura

“Bicho de Sete Cabeças” não é apenas um filme sobre manicômios, mas sobre a brutalidade de um sistema que transforma indivíduos em prisioneiros da sua própria dor.

A internação de Neto mostra como a falta de diálogo e o autoritarismo podem destruir a vida de um jovem, e como a sociedade tende a usar a psiquiatria não para curar, mas para excluir aqueles que desafiam suas normas.

O filme é uma denúncia poderosa e um lembrete de que escuta, acolhimento e liberdade são essenciais para a saúde mental – e que, sem esses elementos, qualquer um pode ser tragado pelo sistema e rotulado como “louco”.

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