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28 Dias
Análise Psicanalítica e da Saúde Mental
O filme “28 Dias” é uma obra que vai além da simples narrativa de superação e mergulha na complexa psique de uma pessoa em negação sobre sua própria destruição. Sob a ótica da psicanálise, podemos enxergar na protagonista um clássico exemplo do mecanismo de defesa da recusa (ou “denial”), conceito freudiano em que o sujeito se esquiva da realidade dolorosa ao minimizar ou desconsiderar suas próprias falhas. Gwen não se percebe como uma viciada, rejeita a ideia de tratamento e, como muitas pessoas com transtornos relacionados ao abuso de substâncias, racionaliza seus comportamentos autodestrutivos.
O Vício Como Expressão de um Conflito Psíquico
Na psicanálise, o vício pode ser entendido como uma tentativa de fuga da dor psíquica, um mecanismo de compensação para lidar com angústias inconscientes. Desde o início, percebemos que Gwen não bebe e usa drogas apenas por diversão, mas sim para encobrir questões emocionais profundas, incluindo sua relação complicada com a irmã e sua dificuldade de estabelecer vínculos afetivos saudáveis. Sua recusa inicial em aceitar ajuda pode ser vista como uma defesa contra a possibilidade de acessar conteúdos inconscientes dolorosos.
Trauma e Repetição
O conceito de compulsão à repetição, descrito por Freud, também se faz presente no filme. Gwen repete comportamentos destrutivos como uma forma inconsciente de reviver padrões de sofrimento e abandono. Durante a terapia na clínica, ela começa a entender que esses padrões podem estar ligados a eventos de sua infância e sua maneira de lidar com sentimentos de rejeição e inadequação.
O Processo de Reabilitação e a Reconstrução do Ego
À medida que a narrativa avança, Gwen passa por um doloroso processo de desmantelamento de seu falso self – a persona festiva, independente e descompromissada que construiu como escudo contra suas dores internas. O contato com outros pacientes na clínica proporciona a ela não apenas um espelho de sua própria condição, mas também a chance de desenvolver empatia e, mais importante, responsabilidade emocional. Esse processo pode ser lido como a reconstrução do ego, permitindo a formação de um eu mais autêntico, menos dominado pelos impulsos do id e mais conectado ao princípio da realidade.
O Papel do Outro na Cura
No ambiente da clínica, Gwen se vê obrigada a interagir com pessoas que compartilham experiências similares e que, de certa forma, servem como figuras transferenciais. Ela projeta e ressignifica relações passadas, e esse processo se torna essencial para sua jornada de cura. A psicanálise enfatiza a importância do reconhecimento do outro para a constituição do sujeito, e o filme ilustra bem como a troca interpessoal é um fator chave para a recuperação.
Conclusão: Uma Jornada Possível, Mas Nunca Fácil
“28 Dias” não romantiza a recuperação, nem oferece um final inteiramente fechado, o que reflete a realidade do tratamento da dependência química. Gwen sai da clínica com mais consciência de si mesma, mas sua caminhada ainda está no início. O filme acerta ao mostrar que a reabilitação não é uma solução mágica, mas sim um processo contínuo de enfrentamento interno e reconstrução.
Assim, do ponto de vista psicanalítico, “28 Dias” é uma obra sobre negar, resistir e, enfim, confrontar a própria dor. Um retrato sensível do árduo caminho da cura e da descoberta de uma identidade além da compulsão.